Por Rodrigo Bap
17 de setembro.
Brasília, 19h.
Victor, o outro gari do pop, eu e um camarada que nos deu carona até Goiânia estávamos presos em mais um engarrafamento de sexta-feira. A única novidade para mim, acostumado com o trânsito do Rio de Janeiro, era observar que fora do eixo Rio-SP o acúmulo de carros também impressiona. Estávamos atrasados para o festival Vaca Amarela. Os portões deveriam abrir por volta das 18h30 e nem tínhamos saído do entorno da capital brasileira.
Engarrafamento é tudo igual, só muda a paisagem.
Não sei bem onde Victor arrumou a carona. Acho que foi pela internet. Se não me engano em alguma comunidade do Orkut.
Fico sempre com o pé atrás. Já não estamos na década de 1960. As notícias sobre seqüestro-relâmpago recheiam os noticiários.
Mas é preciso viver.
Na hora marcada o motorista apareceu para nos buscar. O cara era simpático. Mais ou menos da nossa idade. Ele costuma fazer o trajeto Brasília-Goiânia toda semana. Mora em uma cidade e, segundo ele, “comi bucetas” na outra.
Por 20 reais – menos do que o preço da passagem de ônibus – rumamos para Goiânia a fim de conferir a nona edição do festival, já consolidado como um dos mais importantes no Brasil.
O conforto do carro nem se compara com os inconvenientes de um ônibus: paradas, crianças chorando, falatório, espirros…
O único inconveniente na verdade era o sono. O motorista se esforçava para permanecer acordado, mas as grandes retas que ligam as duas capitais e a escuridão da estrada não ajudam.
E eu, com medo de que ele caísse nos braços de Morfeu, me esforçava em manter o papo vivo.
Depois de algumas horas (com direito a uma parada para comer), chegamos à capital goiana.
O importante era deixar as malas no hotel e rumar para o festival; não havia tempo a perder.
Mandaram uma van para nos buscar. Estavam lá os integrantes do grupo Pata de Elefante, grupo de rock instrumental potente que mandou benzão no evento. Curto os sons dos caras e foi bom ouvir ao vivo, mas tem horas que me dava vontade de inventar uma letra para cantar por cima (hábitos de alguém acostumado a uma cultura da canção).
O grupo foi um dos destaques da primeira noite que contou ainda com Mersault e a Máquina de Escrever, Fusile, Terra Celta, Edy Star, Lobão, entre outros.
Estrutura
Estava crente que chegaríamos a um lugar sujão com meia dúzia de adolescentes de camisa preta na porta bebendo até cair, mas a organização impressionou: dois palcos alternavam as atrações. Tudo planejado para que o público não ficasse um segundo sem música.
O esquema de dois palcos – um ao lado do outro – funcionou bem. Como havia espaço, o público se movimentava lateralmente sem problemas – o que era até bom para acordar em meio a um ou outro show menos empolgante, fato aliás raro.
Não lembro ao certo qual foi a primeira banda que vi. Acho que chegamos no fim da apresentação da Oye!.
Os mestres de cerimônia divertiam com seus figurinos exóticos. Era um casal – eu acho. Um homem e uma mulher vestidos sempre de forma escalafobética para apresentar a próxima atração: Stereovitrola do Amapá.
A seleção do “cast” foi bem feita e equilibrada. Destaque para a bem-sacada eapresentação de Edy Star, uma espécie de Marc Bolan brasileiro-tropicalista – cara que tocou com Raul Seixas no cultuado disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (1971).
Havia, aliás, de tudo no cardápio: punk rock, Heavy Metal, pop-rock, rock alternativo, apresentação folclórica e mesmo música celta. O mais legal foi a aceitação do público. Nada de confusões, pelo menos não as vi.
Um festival desse porte e com tal ecletismo musical provavelmente acabaria em socos e pontapés no Rio de Janeiro.
Como disse o outro gari, Victor “se esse festival fosse em qualquer outro país onde o rock é valorizado seria transmitido em algum canal de televisão”.
Além da música, havia na nona edição do Festival Vaca Amarela diversas manifestações artísticas: live painting com grafiteiros e ilustradores, palhaços, malabaristas, guitar hero no telão, pista de skate – onde era possível rir um pouco com os tombos e, claro, bebida e comida em barraquinhas a preços razoáveis.
Velho lobo
O ponto alto prometia ser o show de Lobão, a atração principal. A banda do velho lobo é bem ensaiada e a voz marcante e potente do líder se destaca, mas me senti jogado de volta aos anos 80. Show correto, mas sem frescor. O forte do repertório são realmente as músicas compostas até o início dos anos 90. Nada que empolgasse os não-fãs.
A única novidade – que nem é tão nova assim – é a omissão da parte “ouououououououooooou” da música Décadence avec élégance. Po, é a parte mais legal para um show. Todo mundo sabe a letra.
Terra Celta
Não cabe aqui resenhar todas as apresentações. Foram muitas e para todos os gostos, mas destaco o grupo Terra Celta: que faz uma mistura deliciosa de música celta, MPB, rock, pop, rap, cultura pop-nerd com umas pitadas de humor e letras bem sacadas. A galera ficou bastante animada: dançou e cantou junto com os caras vestidos com saiotes escoceses. Boa presença de palco.
Mersault e a Máquina de Escrever também mandou bem com seu rock n´roll simples, mas direto. Letras legais; algumas “fofas”.
O show da banda Fusile, de Minas Gerais, foi enérgico e empolgante. O grupo folclórico Passarinhos do Cerrado fez os roqueiros largarem as guitarras para dançar ao som dos ritmos nacionais. e receberam bastante aplausos.
E, claro, os já citados Pata de Elefante e Edy Star também atraíram a atenção da platéia. O grupo gaúcho mostrou ser uma banda coesa e conseguiu manter o público interessado, mesmo tocando um tipo de música de nicho: rock instrumental.
O cantor baiano, que voltou a Goiânia depois de 40 anos – se não me engano, sabe como usar o palco e o microfone. Aproveitando a noite abafada que fazia em GYN, Edy perguntava, entre uma música e outra, se alguém gostaria de ir ao quarto dele no hotel. Além das brincadeiras, o baiano soube entreter a platéia com músicas antigas que ganharam nova roupagem e soavam atuais.
Em breve – ou não tão breve assim – uma resenha sobre o segundo dia.